Pesquisadores do LACERT apresentam resultados de terapia com células-tronco em animais de companhia
Nos últimos 20 anos, foi dada uma atenção considerável para a pesquisa sobre a biologia das células-tronco. Como resultado, verificou-se um aumento significativo na compreensão de suas características e, ao mesmo tempo, o potencial terapêutico para a sua aplicação em diferentes áreas, incluindo a medicina veterinária. Enquanto em seres humanos a utilização dessas células ainda é considerada experimental, exceto em transplantes de medula óssea e para o tratamento de regeneração da pele, na medicina veterinária o número expressivo de doenças em animais já tratadas fornece uma base substancial para avaliar a eficácia da terapia celular. Essa terapia com células-tronco tornou-se uma possibilidade viável para tratamentos ou, diretamente como adjuvante, de uma série de lesões e doenças até então sem cura. Baseia-se na utilização de fontes acessíveis de células-tronco alógenas ou autógenas, ou elementos secretados pelas células como o secretoma, adquiridos de fragmentos da pele, do tecido adiposo ou do dente. No campo da medicina veterinária, as células-tronco mesenquimais (CTMs), isoladas da medula óssea ou de tecido adiposo (ADSCs), através de manipulação minimamente invasiva, já foram aplicados para o tratamento de hipoplasia de medula, injúria renal aguda ou insuficiência renal crônica, falhas ósseas, osteoartroses, doenças autoimunes, sequelas da cinomose, traumas medulares, ceratoconjuntivite seca, úlcera de córnea, dermatite atópica, lesões tendíneas e ligamentosas.
A habilidade de responder a lesões e reparar tecidos é uma propriedade fundamental dos organismos multicelulares, mas há uma diversidade em relação a como estes processos ocorrem em cada espécie animal. O reparo pode ocorrer através da regeneração tecidual, ou seja, com a recomposição da funcionalidade do tecido ou órgão, ou pela cicatrização, com o restabelecimento da homeostasia do tecido com perda da sua atividade funcional. Assim, a terapia com CTMs tem o objetivado promover uma melhor qualidade de reparo tecidual em diversas patologias. Além disso, as CTMs têm efeito positivo nas doenças autoimunes através de suas propriedades imunomoduladoras, que levaram a considerar seu uso para inibir as respostas imunes. Baseado em estudos propostos na medicina humana, a medicina veterinária também busca recursos que atendam rapidamente e auxiliem nos tratamentos tradicionais de seus pacientes. Na UFSC, o Laboratório de Células-tronco e Regeneração Tecidual (LACERT) se dedica há quase vinte anos ao estudo dos aspectos celulares e moleculares envolvidos na diferenciação, sobrevida, senescência, proliferação e renovação de células-tronco. Os trabalhos desenvolvidos com células humanas e animais, buscam compreender também, o papel do microambiente nestes processos celulares com abordagem relacionada à Engenharia de Tecidos e à Medicina Regenerativa. Os trabalhos envolvem pesquisas básicas, pré-clinicas e clínicas, entretanto, há dois anos, devido à crescente demanda, o LACERT tem desenvolvido em conjunto com veterinários pesquisadores e médicos veterinários de clínicas de Florianópolis e Região, uma parceria para a utilização de células-tronco derivadas do tecido adiposo para tratamento de casos clínicos já comprovados cientificamente, na área de pequenos animais. Dentre os pacientes tratados, cita-se o caso do Bartô, um cão da raça PUG, 4 anos de idade, com diagnóstico de anemia arregenerativa autoimune. De acordo com o relato da proprietária Julia Hoff Pacheco – “O tratamento com células-tronco foi sugerido após nove meses de uma busca emocionalmente desgastante atrás da cura do Bartô. Busca essa, que envolveu quatro transfusões e muitos exames de sangue. O procedimento com as células-tronco foi conduzido pelo LACERT, indicado e acompanhado pelo nosso veterinário, Dr Luiz Afonso Erthal. O Bartô reagiu muito bem às duas aplicações que recebeu e desde então, ele está saudável e sem medicação.”
Uma das áreas em que mais se utiliza a terapia com células-tronco na rotina veterinária é a ortopédica, sendo que na traumatologia, uma das grandes complicações é a pseudoartrose que significa “falsa articulação”, pois a não união dos fragmentos de uma fratura leva à formação de uma pseudocápsula com sinóvia e líquido sinovial. A pseudoartrose é classificada em dois tipos principais: (1) hipertróficas ou hipervasculares e (2) atróficas ou avasculares. A primeira tem como principal causa o movimento no foco de fratura, e a última, a falta de condições biológicas locais para a consolidação óssea. Nas pseudoartroses hipertróficas, o tratamento visa a melhora da estabilização da fratura, seja com gesso, órteses, osteossínteses ou fixadores externos, mas é na pseudoartrose, tipo atrófico, que se tem maior aplicabilidade das células-tronco com excelentes resultados. Sabe-se que a consolidação tem três fases: I) inflamação – na qual existe a infiltração de leucócitos que determina a quimiotaxia de células-tronco mesenquimais e fibroblastos que se diferenciarão em osteoblastos; II) reparação – na qual há formação de um calo mole (tecido conjuntivo frouxo-fibroblastos) e, em seguida, o calo duro (tecido ósseo imaturo); e III) remodelação – na qual se forma o tecido ósseo maduro. Assim, as células-tronco interferem positivamente nas duas primeiras fases. Já para a osteoartrose, uma doença óssea dolorosa que causa claudicação em cães principalmente os idosos e de grande porte, devido a degeneração da cartilagem que reveste as articulações, a utilização de células-tronco visa a melhora da qualidade de vida através de suas características imunomoduladoras e imunossupressoras e por apresentarem efeitos anti-inflamatórios.
Apesar da variação das respostas entre os animais, muitos pacientes já foram submetidos a terapias celulares com o uso das células-tronco mesenquimais, e até hoje não foi registrado nenhum efeito adverso. Isso atesta a segurança dessa terapia e aumenta ainda mais as expectativas terapêuticas. Esta área da biotecnologia certamente é um grande avanço clínico mundial e aumenta a qualidade de vida dos pacientes das clínicas veterinárias e diminui o custo de tratamentos de saúde ao longo da vida.
Notícia publicada no Informativo do CRMV-SC
Foto 2. Bartô ao lado de sua tutora Julia Hoff Pacheco após seis meses da alta do tratamento com células-tronco alógenas do tecido adiposo.
Foto 3. Dra Fabiana Valle, Médica Veterinária, ao lado de seu cão Tobi, em tratamento para osteoartrose com células-tronco alógenas (LACERT).